sábado, 13 de janeiro de 2024

ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE NATAÇÃO PARA CRIANÇAS COM AUTISMO: VIGOTSKI E AS RELAÇÕES LÚDICAS

 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE NATAÇÃO PARA

CRIANÇAS COM AUTISMO: VIGOTSKI E AS RELAÇÕES LÚDICAS[1]

 

Renato Coelho[1]


 https://www.even3.com.br/ebook/xedipe/ 

Resumo

Este trabalho constitui-se em um relato de experiência sobre as vivências em atividades de natação infantil realizadas dentro do Projeto de Extensão Laboratório de Esporte, Jogos e Brincadeiras - LABBRINC, da Universidade Estadual de Goiás, no Campus Goiânia ESEFFEGO, durante os anos de 2022 e 2023. Através de intervenções pedagógicas sistematizadas e com conteúdos lúdicos, foram planejadas e executadas aulas em práticas corporais aquáticas, com turmas inclusivas, cujo público era formado por crianças entre 05 e 12 anos de idade, e composto também por crianças com autismo. Nesta ação extensionista, ainda em andamento, buscou-se superar e transcender o tradicional modelo médico, instrumental e tecnicista, no trato com alunos autistas, justificando a construção de uma abordagem educacional para uma plena intervenção pedagógica, no que tange ao ensino inclusivo de práticas corporais aquáticas com crianças autistas e pautado na Teoria Histórico Cultural de Vigotski. As atividades lúdicas em ambiente aquático, tiveram como objetivos, além de ensinar os fundamentos da natação infantil para as crianças, também promover a inclusão de alunos com autismo nas práticas corporais aquáticas e auxiliar na formação acadêmica de alunos de graduação dos cursos de Educação Física e de Fisioterapia da Universidade Estadual de Goiás. As aulas foram realizadas no Parque Aquático da Unidade ESEFFEGO UEG em Goiânia, com aulas semanais, tendo o público participante crianças de 05 a 12 anos. As aulas foram planejadas e ministradas por monitores e bolsistas dos cursos de Educação Física e de Fisioterapia da UEG e supervisionadas pelo coordenador do projeto de extensão. Verificamos que, as aulas de natação infantil, dentro de um contexto lúdico, com estratégias vinculadas a conteúdos de jogos e brincadeiras, e ainda com a criação de uma ambiente coletivo de interação e de cooperação entre as crianças, pautados na Teoria Histórico Cultural de Vigotski, criaram instrumentos importantes para o desenvolvimento da criança com e sem autismo.

 

Palavras-chave – Educação; Natação Infantil; Autismo; Vigotski.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Durante o período de matrículas para as aulas presenciais do projeto de extensão LABBRINC, no primeiro semestre do ano de 2022, após as restrições sociais e as medidas sanitárias de controle da pandemia de Covid-19, vários alunos se matricularam nas aulas de jogos e brincadeiras tradicionais e também nas aulas de natação infantil. Entre os alunos matriculados, havia também vários alunos deficientes, entre eles alunos autistas. Os pais se prontificaram, já no período de matrícula, em relatar o diagnóstico das crianças com autismo e sempre procuraram manter um diálogo contínuo e aberto com os professores e coordenadores do projeto, o que sempre facilitava na organização de estratégias e no planejamento das ações.

O conceito de autismo é bastante complexo, pois deve ser levado em conta que as características identificadas nem sempre estão presentes em todos os indivíduos. (OLIVEIRA, 2011,p.16)

 

No entanto, e numa definição geral, pode-se dizer que esta é uma perturbação do desenvolvimento essencialmente caracterizada por grandes dificuldades na comunicação e na função social. [...] O autismo é uma perturbação do desenvolvimento que afeta múltiplos aspectos da forma como a criança vê o mundo e aprende a partir das suas próprias experiências. (SIEGEL, 2008, p. 21).

 

A palavra autismo possui origem grega “autos”, cujo significado é “em si mesmo”, e que designa uma condição ou estado de uma pessoa que possui atitude de permanente concentração em si próprio. (OLIVEIRA, 2011, p. 17)

As crianças com autismo, de um modo geral, apresentam um comportamento diferenciado com relação ao brincar, principalmente em brincadeiras de faz de conta, devido não somente às dificuldades de interação social ou aos seus interesses restritos, mas também a certas especificidades relacionadas aos processos ligados à imaginação.

 

Muitas dessas crianças têm uma relação pouco comum com os brinquedos: algumas parecem não se interessar por eles enquanto outras brincam de maneira não convencional (como cheirar ou passar muito tempo manipulandoos). Frequentemente há uma preferência por algum brinquedo em especial e, diante de outros materiais lúdicos, o interesse é passageiro ou inexistente. (CHICON et al., 2018, p.582)

 

Sabemos que, apesar de todas as limitações em relação ao processos imaginativos da criança autista, o brincar é capaz de promover o desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores, inclusive da própria imaginação, fazendo com que a criança autista desenvolva capacidades importantes através da ação lúdica, como autocontrole, concentração, criatividade, memória, linguagem e a apropriação de vários códigos sociais e regras de comportamento, que estão explícitos ou implícitos na ação do brincar.

 

Nossas análises indicam que a criança com autismo também pode se envolver com brincadeiras de faz de conta, desde que lhe sejam ofertadas condições para isso: quanto mais estimuladas em sua experiência lúdica, na exploração dos mais variados brinquedos, na manifestação das diferentes linguagens, na convivência com a diversidade, na exploração de diferentes espaços e modos de interação, mais significativas serão as possibilidades de essa criança sentir, pensar, agir no/com o meio social onde se encontra e brincar. (CHICON et al., 2018, p.590)

 

Assim sendo, através da construção de estratégias pedagógicas e intervenções educacionais eficazes, pode-se criar um verdadeiro desenvolvimento dos alunos autistas dentro de um ambiente lúdico nas aulas, desde que as atividades pedagógicas sejam  planejadas e com conteúdos significativos para as crianças. E, dentro das atividades do projeto extensionista LABBRINC, os alunos com autismo participam das aulas juntamente com todas as outras crianças sem autismo, de forma a tornar o ambiente lúdico, também inclusivo, permitindo assim interações variadas e colaborações importantes entre todas as crianças, e também entre estas crianças e os professores.

 

Portanto, no processo de ensino e aprendizagem, não basta o professor organizar os espaços disponibilizando materiais e objetos e observar as crianças; é necessário definir estratégias de abordagem corporal e de intervenções pedagógicas, para que elas possam criar e recriar as brincadeiras, estabelecer novas interações, combinar movimentos e objetos, descobrir novas formas de ação, alimentando, dessa maneira, a experiência corporal (socioafetiva, cognitiva e psicomotora). A brincadeira torna-se, então, uma possibilidade de desenvolvimento da criança com autismo a partir do investimento dos adultos em seu envolvimento nessa prática social específica da infância. (CHICON et al., 2018, p.590).

 

O espaço das atividades das práticas corporais, no projeto extensionista LABBRINC, foi planejado e  construído repleto de elementos lúdicos como bolas coloridas, bambolês, brinquedos, boias infláveis em formato de golfinhos, bolas de gude e espaguetes coloridos. A piscina para as aulas de iniciação à natação, possui baixa profundidade (0,70 metros), com 25 metros de extensão por 12 metros de largura, com escadas e rampas que facilitam o acesso, sendo a temperatura da água variando em torno de 30º C.  Há também o acompanhamento e a supervisão contínua dos professores e monitores, através de ações dialógicas, democráticas e participativas, com a execução do planejamento sistematizado das aulas. No planejamento das atividades, os conteúdos estão sempre relacionados aos elementos lúdicos em meio aquático, de forma a inserir os fundamentos da natação como flutuação, respiração, propulsão, inversão e palmateio, dentro do contexto de jogos e de brincadeiras aquáticas. O referencial teórico, que embasou a construção de todos os planos de aula, é a Teoria Histórico Cultural de Vigotski, que conceitua a criança como ser biopsicossocial, sujeito de direitos e produtor de cultura. Além disso, Vigotski enfatiza e valoriza a ação do brincar como instrumento importante para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores das crianças e ainda nos fornece o conceito de Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), como importante componente e instrumento para as atividades pedagógicas com crianças com/sem deficiência. A

sistematização e o planejamento das aulas de práticas corporais em natação foram construídas com base na teoria histórico cultural de Vigotski, que concebe a criança com ser biopsicossocial, valorizando as ações e atividades colaborativas e socioafetivas entre as crianças e seus pares e também entre as crianças e os seus professores. Vigotski sempre defendeu a tese, onde somente é possível compreender o comportamento humano em sua totalidade, quando se considera o desenvolvimento dentro do complexo contexto de seu ambiente social, ou seja, o homem inserido em um contexto biossocial.

 

É disso que surge a brincadeira, que deve ser sempre entendida como uma realização imaginária e ilusória de desejos irrealizáveis, diante da pergunta "por que a criança brinca?". A imaginação é o novo que está ausente na consciência da criança na primeira infância, absolutamente ausente nos animais, e representa uma forma especificamente humana de atividade da consciência; e, como todas as funções da consciência, forma-se originalmente na ação. (VIGOTSKI,2008, p.25)

 

Segundo Vigotski, a criança na chamada primeira infância, age sempre em função do que vê, ou seja, suas ações ficam presas ao campo ótico (visual). Porém, já na idade préescolar, ocorre uma reviravolta, pois a criança ao brincar consegue separar o campo ótico do campo semântico, separando de fato o objeto da ideia.  O autor cita o exemplo da vassoura, que no brincar, transforma-se em um cavalo para a criança, promovendo a ruptura entre objeto e significado. Tal fato, decorre do desenvolvimento das funções simbólicas da criança, onde o brincar se torna elemento fundamental e relevante neste processo. 

 

É disso que surge a brincadeira, que deve ser sempre entendida como uma realização imaginária e ilusória de desejos irrealizáveis, diante da pergunta "por que a criança brinca?". A imaginação é o novo que está ausente na consciência da criança na primeira infância, absolutamente ausente nos animais, e representa uma forma especificamente humana de atividade da consciência; e, como todas as funções da consciência, forma-se originalmente na ação. (VIGOTSKI, 2008, p.25)

 

Por que a criança brinca? Essa é a pergunta central que Vigotski faz ao leitor, explicando que a brincadeira infantil surge a partir dos desejos irrealizáveis dentro do mundo adulto, e que  são  satisfeitos através de uma ação imaginária e ilusória, a brincadeira. ”Para resolver esta tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, esse mundo é o que chamamos de brinquedo.” (VIGOTSKI, 2003, p. 122)

Quando a criança pré-escolar deseja andar de cavalo, mas sabe a impossibilidade de realizar este seu desejo, então, ela começa a brincar com a vassoura, por exemplo, e este objeto, de forma imaginária, se torna um cavalo. Para Vigotski, a criança na fase da primeira infância, não consegue diferenciar o campo visual do campo semântico. Já a partir dos três anos, na chamada idade pré-escolar, a criança passa então a distinguir o campo visual e o semântico, ou seja, diferencia aquilo que vê (objeto) de seu significado (sentido).  “Torna-se possível em razão da divergência, que surge na idade pré-escolar, entre o campo visual e o semântico” (VIGOTSKI, 2003, p. 128).

Vigotski ressalta ainda que durante a chamada primeira infância, a força impulsionadora para a criança está nos objetos, e estes acabam determinando o seu próprio comportamento. Já na idade pré-escolar, isso de fato não acontece mais, pois os objetos em si acabam perdendo o seu poder impulsionador de outrora, já que a criança começa a agir de forma diferente em relação a tudo o que vê.

 

Devido ao fato de, por exemplo, um pedaço de madeira começar a ter o papel de boneca, um cabo de vassoura tornar-se um cavalo, a idéia separa se do objeto; a ação, em conformidade com as regras, começa a determinar-se pelas idéias e não pelo próprio objeto. (VIGOTSKI, 2008, p. 30)

 

As intenções e ações lúdicas no jogo possibilitam a criação da Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), promovendo a internalização do real e o desenvolvimento cognitivo. Dentro da contradição da criança entre a impossibilidade do desejo e a necessidade imediata do querer fazer, Vigotski então afirma: “Esta subordinação estrita às regras é quase impossível na vida; no entanto torna-se possível no brinquedo. Assim o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança”  (VYGOTSKY, 2003, p.134).

Logo, o brincar da criança passa a ser uma transformação criadora, ela também tem a possibilidade de criar, mesmo sob diferentes escalas, mas cria a partir do que conhece e das oportunidades oferecidas, dentro de suas próprias necessidades e preferências. Dentro do jogo, resgata-se na criança sua posição de sujeito histórico e social, pois ela cria, produz cultura, e ela pode participar ativamente do processo lúdico.

Tais processos criativos construídos dentro de um contexto lúdico na infância, se dão dentro da denominada Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI). O jogo ou brincadeira, numa esfera lúdica, ajuda a construir a subjetividade da criança, e neste ambiente imaginativo, criativo e simbólico, permite-se alterações qualitativas das estruturas mentais superiores, promovendo o desenvolvimento pleno da criança.

 

A Zona de Desenvolvimento Iminente é a distância entre o nível de desenvolvimento atual da criança, que é definido com a ajuda de questões que a criança resolve sozinha, e o nível de desenvolvimento possível da criança, que é definido com a ajuda de problemas que a criança resolve sob orientação dos adultos e em colaboração com companheiros mais inteligentes. (VIGOTSKI apud PRESTES 2010, p. 173)

 

Segundo Vigotski, uma boa aula é aquela onde o ensino guia o desenvolvimento da criança, ou seja, ocorre quando a aprendizagem infantil antecede o desenvolvimento, e isso é possível em aulas planejadas e sistematizadas que favoreçam a criação da Zona de Desenvolvimento Iminente. Dentro destes princípios criados por Vigotski, podemos analisar e discutir a inclusão das crianças com autismo nas atividades de práticas corporais e dentro de um contexto lúdico, que favoreçam a criação da Zona de Desenvolvimento Proximal, onde se incentive as relações colaborativas entre as crianças e seus pares e

tendo os professores como mediadores das ações.

Deriva deste conceito acima, a lei geral de Vigotski, também conhecida como lei básica do desenvolvimento humano, que se aplica tanto a crianças sem deficiência, quanto a crianças com deficiência. A lei geral de Vigotski, afirma que:

 

Qualquer função psicológica superior no processo de desenvolvimento infantil se manifesta duas vezes, primeiramente como função da conduta coletiva, como a organização da colaboração da criança com as pessoas que a rodeiam; depois, como uma função individual da conduta, como uma capacidade interior da atividade do processo psicológico. (VIGOTSKI 1997, p.109)

 

Sendo assim, segundo a lei básica do desenvolvimento humano criada por Vigotski, podemos verificar que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores da criança (a memória, o pensamento, o raciocínio, a imaginação e a linguagem) se dão primeiramente dentro de um contexto de interação social coletiva, através do convívio com o outro, que pode ser, por exemplo, com os colegas ou com os professores, sendo capazes de gerar relações de colaboração e de intercâmbio social. Em seguida, a criança, após se apropriar destes novos conceitos, saberes e conteúdos, que lhe foram socializados dentro destas interações sociais, estes novos atributos se transformam em uma capacidade interior, ou seja, passam a ser capacidades individuais, onde a função de conduta coletiva se transformou em uma função de conduta individual.

Portanto, todos os princípios de Vigotski citados ao longo deste trabalho, o conceito de Zona de Desenvolvimento Iminente, o desenvolvimento das características socioafetivas, motoras e cognitivas através do brincar, foram todos analisados e incluídos, a fim de facilitarem as construções de estratégias de ensino para as crianças com autismo matriculadas no projeto. Todos estes conceitos importantes, nos auxiliaram na construção de instrumentos pedagógicos e de estratégias para o planejamento das aulas em vivências de práticas corporais aquáticas para as crianças autistas matriculadas no projeto de extensão LABBRINC da Universidade Estadual de Goiás. O objetivo principal foi em formular estratégias pedagógicas e instrumentos educacionais de inclusão de alunos autistas nas aulas de natação infantil, pautadas na Teoria Histórico Cultural de Vigotski, e que também pudesse fornecer elementos didáticos favoráveis, para a aprendizagem de conceitos e fundamentos da natação para além do ensino técnico e instrumental, muito comum no ensino tradicional da natação infantil.

 

METODOLOGIA/PERCURSO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO

Através da execução de ações extensionistas dentro das chamadas práticas corporais aquáticas, o projeto LABBRINC, vinculado à Universidade Estadual de Goiás,  oferece atividades de extensão à comunidade goianiense de forma pública e gratuita, tendo como público-alvo crianças de 05 a 12 anos de idade. Este trabalho, traz experiências de ensino e de aprendizagem em atividades relacionadas à cultura corporal aquática, em natação infantil  e iniciação à natação, inseridas dentro de um contexto repleto de atividades lúdicas e planejadas. Tais atividades foram realizadas dentro da Universidade Estadual de Goiás, Unidade ESEFFEGO, no Centro de Excelência dos Esportes. As matrículas do projeto  LABBRINC, sempre são realizadas, de forma a incluir crianças com e sem deficiência, destacando que se trata de uma ação extensionista de caráter inclusivo, e por isso, várias crianças autistas também participaram e participam das aulas executadas neste projeto, durante os anos de 2022 e 2023.

O elemento lúdico constitui-se num dos eixos mais importantes deste projeto de natação infantil, pois abarca a fase da infância, onde as atividades lúdicas do brincar constituemse na atividade principal, promovendo as mais diversas e diferentes formas de desenvolvimento da criança. A atividade mais importante na infância é o brincar, onde as atividades lúdicas ocupam papel fundamental para o desenvolvimento pleno das crianças (cognitivo, emocional, afetivossocial e motor). A Teoria Histórico Cultural, pautada em Vigotski, se tornou a base teórica para o planejamento e execução das aulas no projeto LABBRINC. Para Vigotski,  aprendizagem não equivale a desenvolvimento, mas toda aprendizagem construída de forma organizada torna-se em desenvolvimento mental e alavanca uma série de processos evolutivos que jamais se efetuariam separados da aprendizagem. Sendo assim, a aprendizagem é necessária ao processo de desenvolvimento cultural organizado, e toda boa aprendizagem é aquela que precede o desenvolvimento. (BAQUERO, 1998, p.98). E estes foi um dos princípios basilares na construção e na condução de todas as aulas do projeto de extensão,  e que permitiram a elaboração de instrumentos pedagógicos importantes, que garantiram as interações colaborativas entre as crianças com e sem deficiência, e a plena participação nas aulas, com o destaque para a inclusão das crianças autistas.

No transcorrer das aulas no projeto de extensão, sempre houve a preocupação pela busca de instrumentos pedagógicos capazes de promover, no ambiente de aula, as interações e as colaborações entre as crianças com os seus pares, e também o intercâmbio pleno entre as crianças e os professores/monitores. Sempre partimos da premissa de que o bom ensino deve operar sobre as conquistas de desenvolvimento ainda em aquisição e adquiridas com auxílio do outro, ou seja, planejamento de aulas, dentro de uma ambiente de interações lúdicas, colaborativas e dialógicas, capazes de promover a criação da chamada  Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI):

 

A criança tornar-se-á capaz de realizar de forma independente, amanhã, aquilo que, hoje, ela sabe fazer com a colaboração e a orientação. Isso significa que, quando verificamos as possibilidades da criança ao longo de um trabalho em colaboração, determinamos com isso também o campo das funções intelectuais em amadurecimento; as funções que estão em estágio iminente de desenvolvimento devem dar frutos e, consequentemente transferirem-se para o nível de desenvolvimento mental real da criança. (VIGOTSKI apud PRESTES 2010, p.174)

 

Sendo assim, o planejamento e a execução das aulas de atividades lúdicas no meio aquático, consideraram sempre o brincar como elemento importante na construção dos processos de aprendizagem infantil. Os conteúdos da natação foram ensinados de forma dialógica e dentro de atividades lúdicas, alegres e prazerosas. Fundamentos da natação infantil, tais como flutuação, apnéia, respiração, propulsão, braçadas, pernadas, inversão, palmateios, equilíbrio e mergulho, foram ensinados e apropriados pelas crianças de forma alegre, criativa e envolta por elementos lúdicos do brincar. Analisamos que houve grande interação das crianças autistas com os demais colegas, principalmente quando eram incluídos brinquedos e brincadeiras nas atividades aquáticas. O ambiente lúdico foi capaz de multiplicar as interações das crianças autistas, potencializando os intercâmbios coletivos entre os pares criança-criança e criança-professor. A maioria dos movimentos e fundamentos da natação, tais como a respiração invertida, flutuação e deslizes sobre a superfície da água, foram apropriados e desenvolvidos também pelas crianças autistas, que sempre eram assessoradas e  auxiliadas pelos professores-monitores, que continuamente as acompanhavam dentro do meio aquático. As crianças autistas também participaram ativamente de brincadeiras aquáticas dentro da piscina, juntamente com as demais crianças e os professores-monitores. As principais brincadeiras coletivas, em que mais se destacaram a participação plena das crianças autistas foram: “Elefante Colorido”, onde se utilizavam bolas coloridas; “Tubarão e Golfinho”, uma espécie de pique-pega na água e com a utilização de boias em formato de tubarão e golfinho; “Morto Vivo”, onde as crianças precisam submergir na água e soltar borbulhas pelo nariz. Estes elementos lúdicos foram capazes de criar instrumentos colaborativos entre  as crianças com autismo e as crianças sem autismo, este intercâmbio de vivências estre as crianças, e sempre mediado pelo professor-monitor, potencializou as interações, construindo um ambiente de aprendizagem e de desenvolvimento da capacidades motoras, cognitivas e socioafetivas das crianças.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Através da inclusão de conteúdos lúdicos na aprendizagem do ensino da natação, pautados na Teoria Histórico Cultural de Vigotski, foi possível ensinar às crianças, os fundamentos da adaptação ao meio líquido (flutuação, respiração, palmateio, apnéia, equilíbrio e inversão), e dentro de uma proposta que buscou superar o ensino apenas das técnicas e transcender o enfoque médico, foi possível a realização da inclusão de crianças com autismo dentro das aulas de natação infantil. A inclusão de conteúdos lúdicos, com jogos e  brincadeiras no meio aquático, permitiram uma maior interação social das crianças na piscina, criando sentidos e significados aos conceitos e conteúdos ensinados. Descobrimos ainda ser possível, dentro deste ambiente lúdico, a criação da chamada Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), onde as crianças aprendem umas com as outras, também com o professor, e depois destas trocas e intercâmbios sociais no brincar, se apropriaram dos conceitos e fundamentos da natação, passando a ter mais autonomia no meio líquido, se deslocando na água de forma prazerosa e independente. A criação plena de uma ZDI no contexto das aulas de natação infantil, permitiu um verdadeiro intercâmbio de saberes, conhecimentos e relações socioafetivas entre as crianças com e sem autismo.  Este ambiente lúdico e de cooperação, pautado em instrumentos pedagógicos sistematizados dentro da Teoria Histórico Cultural de Vigotski,  permitiu a criação de instrumentos educativos eficazes para a plena inclusão de alunos com autismo nas aulas de natação infantil no projeto de extensão LABBRINC da Universidade Estadual de Goiás.

Sendo assim, foram observadas que as atividades lúdicas na infância passam a subsidiar instrumentos pedagógicos capazes de gerar uma transformação criadora na infância, onde a criança também tem a possibilidade e a oportunidade  de criar, aprender e desenvolver movimentos e habilidades aquáticas. Dentro do brincar em atividades aquáticas, resgatouse na criança com autismo, a sua posição de sujeito histórico e social, pois ela pôde participar das aulas, interagir com outras crianças e ainda aprender de forma plena, dentro de um processo lúdico, em um contexto de cooperação social com outras crianças, os fundamentos da natação.

Portanto, a sistematização de aulas de natação infantil, dentro de um contexto lúdico, com conteúdos de jogos e brincadeiras, e ainda com a criação de uma ambiente coletivo de interação e de cooperação entre as crianças, pautados na Teoria Histórico Cultural de Vigotski, permitiu a criação de instrumentos e de estratégias importantes para a inclusão e  o desenvolvimento da criança com autismo, através de processos criativos, colaborativos, dialógicos e democráticos que tratam a criança como sujeito de direitos e produtora de cultura.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Este projeto, ainda em andamento, demonstra que o bom ensino das práticas corporais aquáticas, é aquele onde a aprendizagem guia o desenvolvimento, e é capaz de criar instrumentos pedagógicos eficazes, capazes de tornar possível a inclusão de crianças autistas dentro das aulas de natação. Observou-se neste projeto que é fundamental a sistematização de aulas que sejam capazes não somente de desenvolver as capacidades motoras, cognitivas e socioafetivas nas crianças, mas que também sejam capazes de criar estratégias eficazes de inclusão de alunos com deficiência nas aulas de natação infantil. Vimos que os conceitos e os princípios da Teoria Histórico Cultural de Vigotski, ajudaram a construir e planejar as aulas de natação infantil, através de formulação de procedimentos pedagógicos para a criação de um ambiente favorável à aprendizagem e ao pleno desenvolvimento das crianças. Sendo assim, aprendemos que é fundamental para o professor um planejamento sistematizado de aulas, que considere instrumentos pedagógicos importantes, como a criação da chamada Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), a fim de que as crianças possam, de forma inclusiva, coletiva e

colaborativa, aprender umas com as outras, dentro de um contexto lúdico e mediadas pelos professores, para o pleno desenvolvimento de suas habilidades motoras, cognitivas e socioafetivas dentro das aulas de natação infantil.

 

REFERÊNCIAS

BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a Aprendizagem Escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

CHICON, José Francisco et al. A Brincadeira de Faz de Conta com Crianças AutistasMovimento, Porto Alegre, v. 24, n. 2, p. 581-592, abr./jun. de 2018.

OLIVEIRA, Elisabete Ferreira de. A criança e o mundo do autismo. Porto : [ed.autor]. 64f. Projeto de investigação no âmbito da Pós-Graduação em Educação Especial da Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, 2011. Disponível em: http://repositorio.esepf.pt/handle/20.500.11796/802. Acesso em: 23 set. 2023.

PRESTES, Zoia Ribeiro. Quando Não é a Mesma Coisa: análise de traduções de L.S. Vigotski no Brasil Repercussões no Campo Educacional. 2010. 296 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2010.

SIEGEL, Bryna. O Mundo da Criança com Autismo: compreender e tratar perturbações do espectro do autismo. Porto. Porto Editora. 2008.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. Obras escogidas V: fundamentos da defectologia. 5. ed. Madri: Visor, 1997.

_______________________. A Formação Social da Mente – o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

_______________________. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança. Tradução de Zóia Prestes. Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais, n. 8, p.23-36, jun. 2008.



[1] Relato de experiência sobre estratégias pedagógicas para inclusão de crianças autistas na natação infantil.

[2] Professor do curso de Educação Física pela Universidade Estadual de Goiás, Campus Metropolitano 

ESEFFEGO. Pesquisa sobre Infância e Vigotski. renato.coelho@ueg.br


FICHA CATALOGRÁFICA:

Formação Humana, Escola e Didática: lógica instrumental e lógica humanista em disputa. Anais...Goiânia(GO) PUC Goiás, 2023

Disponível em: www.even3.com.br/anais/xedipe

ISBN: 978-65-272-0102-1

A INFÂNCIA NO CONTEXTO DE “PÓS-PANDEMIA”: ESTRATÉGIAS E PRÁTICAS DE ENSINO PARA O DESENVOLVIMENTO DE ASPECTOS MOTORES, COGNITIVOS E SOCIOAFETIVOS

 A INFÂNCIA NO CONTEXTO DE “PÓS-PANDEMIA”: ESTRATÉGIAS E

PRÁTICAS DE ENSINO PARA O DESENVOLVIMENTO DE ASPECTOS MOTORES, COGNITIVOS E SOCIOAFETIVOS [1]

 

Renato Coelho[1]

 https://www.even3.com.br/ebook/xedipe/ 

Resumo

Sabemos que a fase mais aguda da pandemia de Covi-19 já passou, as importantes e imprescindíveis medidas de prevenção adotadas, tais como o isolamento social, o distanciamento entre pessoas, e todos as demais regras sanitárias e protocolos de biossegurança, tiveram e ainda tem relevância no combate à proliferação da covid-19, assim como também contribuíram eficazmente para salvar milhões de vidas humanas ao redor do planeta. Porém, em tal contexto de pandemia, que marca este início do século XXI, as restrições à mobilidade humana, os obstáculos ao pleno convívio social, que foram impostas à sociedade em geral, e acrescido a estes fatores,  o grande aumento da pobreza e das desigualdades sociais, trouxeram várias consequências econômicas, sociais e sobretudo no que tange à  saúde das pessoas, e principalmente na saúde das crianças e de suas famílias, que sofreram impactos psicológicos e também a nível do desenvolvimento de suas capacidades motoras. Pesquisas recentes realizadas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, 2022), com 560 bebês nascidos durante a pandemia da Covid-19, apontaram alta prevalência do número de casos suspeitos de atraso no desenvolvimento infantil, decorrentes sobretudo do estresse social e das restrições sanitárias ocorridas durante a pandemia de Covid-19 no Brasil. Sendo assim, mesmo sabendo que a pandemia não acabou, e neste momento atual de amortecimento e diminuição das transmissões virais, e na volta das atividades presenciais, através do projeto de extensão LABBRINC, foi possível resgatar e promover vivências e práticas corporais em natação e também em jogos tradicionais, para as crianças que sofreram e ainda sofrem as consequências da pandemia. Foram elaboradas estratégias de ensino, que permitiram o desenvolvimento infantil em seus aspectos motores, cognitivos e socioafetivos e dentro de um contexto lúdico. As intervenções pedagógicas realizadas permitiram resgatar o protagonismo das crianças em práticas corporais relevantes e vivências em atividades lúdicas através de conteúdos em jogos tradicionais e em natação infantil, que pôde promover de forma satisfatória, através de estratégias de ensino embasadas na Teoria Histórico Cultural, a superação de atrasos no desenvolvimento motor, e ainda avanços significativos nos aspectos cognitivos e socioafetivos.

 

Palavras-chave – Educação; Infância; Lúdico; Pandemia; Vigotski.

 

 

 

 

 INTRODUÇÃO

Pesquisas realizadas pela UFMG, com 560 bebês nascidos durante a pandemia da Covid-

19, apontaram alta prevalência do número de casos suspeitos de atraso no desenvolvimento infantil. Os estudos demonstraram que 22% dos bebês apresentaram suspeita de atraso no desenvolvimento global (cognitivo e motor), e 52% das crianças apresentaram algum tipo de problema de comportamento, como irritabilidade e inflexibilidade (UFMG, 2022).  A partir destes dados, foi importante o foco na construção de instrumentos didáticos e de estratégias pedagógicas capazes de promover o desenvolvimento infantil e que, ao mesmo tempo, pudesse servir de mecanismo de intervenção para a superação das limitações socioafetivas, déficits cognitivos  e atrasos motores, observados em crianças, a partir do retorno das aulas presenciais no ano de 2022, matriculadas no projeto de extensão Laboratório de Esportes, Jogos e Brincadeiras – LABBRINC, da Universidade Estadual de Goiás na cidade de Goiânia. Tais atrasos no desenvolvimento foram provocados pelo longo e estressante período de isolamento social em que foram submetidas as crianças e seus familiares durante o auge da pandemia de coronavírus no Brasil. Sendo assim, foi adotada a Teoria Histórico Cultural de Vigotski, como instrumento pedagógico de intervenção nas aulas de jogos tradicionais e em natação infantil, visando o desenvolvimento cognitivo, motor e socioafetivo das crianças matriculadas no projeto de extensão.

O enfoque Histórico-Cultural se fundamenta essencialmente no fato de que o desenvolvimento psicológico humano é um processo complexo, cujas origens se encontram nas condições e organizações do contexto social e cultural, construídas ao longo das vivências do indivíduo. A análise histórico-cultural elaborada por Vigotski foi altamente influenciada pelas concepções do materialismo histórico dialético de Marx e Engels, de onde ele extraiu os conceitos sobre atividade, mediação semiótica e a ideia central de que o ser social determina a consciência social. No projeto LABBRINC, as aulas e todas as atividades são planejadas dentro do referencial teórico da Teoria Histórico Cultural.

 

Vigotski considerava ainda a dupla dimensão do ser humano, sujeito e sujeitado, dando grande importância à participação do outro no processo de significação e constituição do sujeito, sem negar a efetiva participação do Eu, social e historicamente produzido. (ZANELLA e ANDRADA, 2002, p.127).

 

O contexto histórico dos escritos de Vigotski, início do séc. XX, era representado por uma realidade de revolução social, miséria, guerra civil e opressão. Vigotski, mesmo acometido de tuberculose, passa a trabalhar até o fim de sua vida praticamente na organização de escolas para crianças surdas, cegas, com problemas mentais e com transtornos de linguagem. Vigotski lutou durante toda a vida para mudar todo o paradigma de sua época, ao explicar que o psíquico humano não era apenas algo inerente ao desenvolvimento biológico, era na verdade uma realidade complexa e dinâmica entre o biológico, o social e o cultural.

 

Vygotski esclarece que o desenvolvimento é um processo dialético, marcado por etapas qualitativamente diferentes determinadas pela atividade mediada, justamente o que o promove. Via atividade, o homem (entendido enquanto sujeito genérico) é capaz de transformar sua própria história e a história da humanidade, posto que por seu intermédio transforma o contexto social em que se insere e ao mesmo tempo se transforma. (ZANELLA E ANDRADA, 2002, p.128)

 

Para Vigotski, o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, não são idênticos, nem redutíveis aos fatores que explicam os processos psicológicos elementares, com os quais estão relacionados os processos de desenvolvimento natural. Os processos psicológicos superiores se firmam a partir da participação dos sujeitos em atividades sociais valendo-se de instrumentos de mediação. (VIGOTSKI, 2003b, p.78)

O ensino, segundo Vigotski, deve servir então como elemento inerente aos processos de desenvolvimento da criança. E é durante tal desenvolvimento dessas relações organizadas, que evoluem as funções psíquicas superiores da criança. A partir da compreensão de que o bom ensino deve operar sobre as conquistas de desenvolvimento ainda em aquisição e adquiridas com auxílio do outro, surge o conceito desenvolvido por Vigotski, denominado Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI):

 

A Zona de Desenvolvimento Iminente é a distância entre o nível de desenvolvimento atual da criança, que é definido com a ajuda de questões que a criança resolve sozinha, e o nível de desenvolvimento possível da criança, que é definido com a ajuda de problemas que a criança resolve sob orientação dos adultos e em colaboração com companheiros mais inteligentes. (VIGOTSKI apud PRESTES 2010, p. 173)

 

Este é um dos conceitos centrais da teoria de Vigotski, é a chamada Zona de Desenvolvimento Iminente, que é a distância que existe entre o que a criança sabe fazer sozinha e o que pode fazer com a ajuda do outro. Para Vigotski, a Zona de Desenvolvimento Iminente representa as funções ainda não amadurecidas da criança, ou seja, as funções psicológicas superiores que se encontram hoje em estágio embrionário, que estão hoje em processo de amadurecimento, mas que amanhã estarão totalmente amadurecidas.

 

A criança tornar-se-á capaz de realizar de forma independente, amanhã, aquilo que, hoje, ela sabe fazer com a colaboração e a orientação. Isso significa que, quando verificamos as possibilidades da criança ao longo de um trabalho em colaboração, determinamos com isso também o campo das funções intelectuais em amadurecimento; as funções que estão em estágio iminente de desenvolvimento devem dar frutos e, consequentemente transferirem-se para o nível de desenvolvimento mental real da criança. (VIGOTSKI apud PRESTES 2010, p.174)

 

Alguns autores costumam erroneamente chamar esta distância do nível evolutivo da criança de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), em virtude das traduções equivocadas das obras de Vigotski para a língua portuguesa. 

 

Portanto, defendemos que a tradução que mais se aproxima do termo é zona de desenvolvimento iminente, pois sua característica essencial é a das possibilidades de desenvolvimento, mais do que do imediatismo e da obrigatoriedade de ocorrência, pois, se a criança não tiver a possibilidade de contar com a colaboração de outra pessoa em determinados períodos de sua vida, poderá não amadurecer certas funções intelectuais e, mesmo tendo essa pessoa, isso não garante, por si só, o seu amadurecimento. (PRESTES, 2010, p. 168)

As aulas, quando inseridas dentro da Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), permitem trabalhar sobre as funções ainda em desenvolvimento, que não foram plenamente consolidadas, criando uma estreita conexão entre aprendizagem e desenvolvimento, contribuindo para a formulação de indicadores didáticos e avaliativos para o desenvolvimento infantil, quando favorecido pela construção de um cenário de aula que considere o contexto sócio-histórico dos alunos.

 

Parece-me que, do ponto de vista do desenvolvimento, a brincadeira não é uma forma predominante de atividade, mas, em certo sentido, é a linha principal do desenvolvimento na idade pré-escolar. (VIGOTSKI, 2008, p.24)

 

 As teorias de Vigotski se tornam fundamentais para a compreensão e o resgate do valor e importância do jogo e das brincadeiras. A contribuição principal de Vigotski sobre o jogo ou a brincadeira infantil, é a sua valorização, acrescida pela estreita relação que este autor estabelece entre o jogo e a aprendizagem.

 

Uma das situações que se apresentam como importantes para a análise do processo de constituição do sujeito é a brincadeira infantil. Rompendo com a visão tradicional de que a brincadeira é a atividade natural de satisfação de instintos infantis, Vygotski apresenta o brincar como atividade em que tanto significados sociais e historicamente produzidos são veiculados quanto novos podem ali emergir. (ZANELLA e ANDRADA, 2002, p.128).

 

As ações lúdicas no jogo possibilitam a criação da Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI),  onde o ambiente social repleto de cooperações e interações coletivas, são capazes de promover ainda a internalização e apropriação de saberes, criando aprendizagens significativas, que conduzem ao o pleno desenvolvimento das capacidades motoras,  cognitivas e socioafetivas de forma plena.

 

A Zona de Desenvolvimento Iminente é a distância entre o nível de desenvolvimento atual da criança, que é definido com a ajuda de questões que a criança resolve sozinha, e o nível de desenvolvimento possível da criança, que é definido com a ajuda de problemas que a criança resolve sob orientação dos adultos e em colaboração com companheiros mais inteligentes. (VIGOTSKI apud PRESTES 2010, p. 173)

 

 Logo, o brincar da criança passa a ser uma transformação criadora, ela também tem a possibilidade de interagir e de criar, transformando-se em sujeito e em produtor de cultura humana. Dentro do jogo, resgata-se na criança sua posição de sujeito histórico e social, pois ela é capaz de criar e de interagir com o outro, ela imagina e age, se apropria da cultura e dos códigos sociais através do brincar, ela participa ativamente como sujeito histórico e como protagonista no processo lúdico. 

 

É disso que surge a brincadeira, que deve ser sempre entendida como uma realização imaginária e ilusória de desejos irrealizáveis, diante da pergunta "por que a criança brinca?". A imaginação é o novo que está ausente na consciência da criança na primeira infância, absolutamente ausente nos animais, e representa uma forma especificamente humana de atividade da consciência; e, como todas as funções da consciência, forma-se originalmente na ação. (VIGOTSKI, 2008, p.25)

 

 

Portanto, os jogos e brincadeiras possuem papel fundamental para a formação da plasticidade cerebral através de processos criativos, que irão transformar qualitativamente as funções cerebrais e provocar o desenvolvimento. As atividades lúdicas do brincar, quando realizadas de forma coletiva e constituídas de sentido e de significados, possibilitam a criação da Zona de Desenvolvimento Iminente no ambiente educacional, que por sua vez, promove um ensino de qualidade, que é capaz de guiar o desenvolvimento infantil.

 

Qualquer função psicológica superior no processo de desenvolvimento infantil se manifesta duas vezes, primeiramente como função da conduta coletiva, como a organização da colaboração da criança com as pessoas que a rodeiam; depois, como uma função individual da conduta, como uma capacidade interior da atividade do processo psicológico. (VIGOTSKI 1997, p.109)

 

A sistematização de aulas alicerçadas dentro da chamada Teoria Histórico Cultural de Vigotski, permitiu a criação de importantes instrumentos pedagógicos e de estratégia de ensino pautadas em um ensino, cuja ênfase se deu sempre na promoção de interações e intercâmbios entre os alunos, construção de atividades cooperativas entre alunos-alunos e alunos-professores(monitores), elaboração de atividades em ambientes lúdicos. Todos estes conceitos e instrumentos da teoria de Vigotski, nos auxiliaram na construção de instrumentos pedagógicos e de estratégias para o planejamento das aulas em vivências de práticas corporais aquáticas e em jogos e brincadeiras tradicionais para as crianças matriculadas no projeto de extensão LABBRINC da Universidade Estadual de Goiás. Estas estratégias pedagógicas e instrumentos educacionais, nas aulas de natação infantil e em jogos e brincadeiras, pautadas na Teoria Histórico Cultural de Vigotski, ajudaram a criar um ambiente favorável de aprendizagem, onde as crianças, que outrora adquiriram atrasos no desenvolvimento motor e limitações cognitivas e socioafetivas, devido ao embotamento social provocado pelo prolongado período de restrições de mobilidade e de regras sanitárias na pandemia, puderam de forma plena e satisfatória superar todas as limitações e atrasos advindos deste período, adquirindo novas habilidades, conceitos e saberes no âmbito das práticas corporais, com conteúdos relevantes que envolveram as vivências em natação infantil e  em jogos e brincadeiras tradicionais. 

 

 

 METODOLOGIA / PERCURSO DIDÁTICO PEDAGÓGICO

O projeto de extensão LABBRINC foi criado para atender a comunidade infantil de Goiânia, com o objetivo de resgatar a cultura lúdica através de vivências em atividades de natação, jogos e brincadeiras tradicionais. Tem também como finalidade auxiliar na formação de alunos dos cursos de Educação Física e Fisioterapia da UEG - Unidade ESEFFEGO, em Goiânia. 

As ações extensionistas do projeto LABBRINC objetivam promover a interação entre a universidade e a comunidade externa através de atividades lúdicas oferecidas a crianças entre 05 a 12 anos de idade, com execução de ações dentro da chamada cultura corporal, cujos conteúdos são os jogos, as brincadeiras, os esportes e também a natação. Estas práticas corporais são atualmente oferecidas de forma pública e gratuita pela Universidade Estadual de Goiás, e são realizadas semanalmente dentro da Faculdade do Esporte, Unidade ESEFFEGO (Centro de Excelência dos Esportes) e vinculado à UEG, localizada na cidade de Goiânia, Goiás. As atividades lúdicas, constituem-se num dos eixos mais importantes deste projeto, pois abarca o período da infância onde as ações ligadas ao brincar formam a atividade principal desta fase humana, promovendo as mais diversas e diferentes formas de desenvolvimento na criança. Todas as aulas foram planejadas de forma sistematizada e executadas, de forma semanal, com conteúdos vinculados à natação infantil e também em jogos e brincadeiras tradicionais. As aulas são ofertadas quatro vezes por semana, com duração de uma hora cada aula. As atividades são ministradas por monitores, que são estudantes da graduação dos cursos de Educação Física e de Fisioterapia,  sendo supervisionadas e orientadas pelo coordenador do projeto. Os princípios metodológicos são construídos segundo a Teoria Histórico Cultural,  e pautados no conceito da chamada Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI) para o contexto das aulas. A construção das aulas de natação infantil, por exemplo, é realizada através de conteúdos lúdicos que auxiliam as crianças no chamado processo de adaptação ao meio líquido. Através de brincadeiras tradicionais em meio aquático, constrói-se um contexto lúdico que fornece sentidos e significados aos movimentos e às práticas corporais em meio aquático. Neste ambiente lúdico, a criança se apropria de forma coletiva, cooperativa e prazerosa, com a ajuda dos colegas e dos professores, dos fundamentos e conceitos básicos da natação, tais como a flutuação, o equilíbrio, a respiração, o palmateio, a inversão e a propulsão (braçadas e pernadas).

As aulas foram construídas dentro de um contexto lúdico, onde as crianças aprenderam os fundamentos básicos do nadar, através do brincar. As brincadeiras foram adaptadas ao meio líquido, geralmente brincadeiras tradicionais ou jogos populares foram realizados dentro do ambiente aquático, onde foram efetuadas certas mudanças nas regras, que permitiram a introdução do brincar dentro da água, como por exemplo, a inclusão das brincadeiras tradicionais  “Elefante Colorido”, “Caça ao Tesouro”, “O Rei Mandou” e etc. O planejamento semanal das aulas foi realizado com base na chamada Teoria Histórico Cultural, buscando sempre a sistematização de aulas capazes de potencializar a criação da Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), através do estímulo das interações e relações entre aluno-aluno e aluno-professor. Através do brincar, os alunos se apropriaram dos conhecimentos da cultura corporal aquática, dos conceitos, e de todos os saberes relevantes para um deslocamento autônomo e independente na água.  Na intenção de superar o modelo técnico do ensino da natação infantil, consideramos neste projeto o brincar como sendo a atividade mais importante da infância, por promover o desenvolvimento das chamadas funções cognitivas, motoras e socioafetivas das crianças, e ainda por facilitar na criação de estratégias pedagógicas de aprendizagem na infância. 

Destaca-se ainda, que projeto extensionista LABBRINC, também teve as suas atividades presenciais suspensas no período mais crítico da pandemia, entre os anos de 2020 e 2021, funcionando de forma apenas virtual neste período, porém, a partir do ano de 2022, houve o retorno das atividades presenciais e com o resgate das vivências infantis, com conteúdos importantes e relevantes para o desenvolvimento das crianças, tais como os jogos, as brincadeiras tradicionais e a natação infantil. A relevância deste projeto, se tornou ainda maior no atual contexto de “pós-pandemia”, contribuindo de forma eficaz para a superação de limitações, atrasos e déficits de desenvolvimento infantil, oriundos do contexto de pandemia. A atividade mais importante na infância é o brincar, onde as atividades lúdicas ocupam papel fundamental para o desenvolvimento pleno e integral das crianças, nos aspectos que abrangem o cognitivo, o emocional, o social, o psicológico, o motor e o cultural na infância. 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o período mais crítico da pandemia de Covid-19, o projeto LABBRINC funcionou de forma virtual durante mais de dois anos, respeitando todos os protocolos sanitários, e com o retorno ao ensino presencial ocorrendo somente no ano de 2022, sendo que várias crianças retornaram ao projeto e muitas outras crianças novatas também se matricularam para as aulas de jogos e de natação infantil. No total houve a participação de 60 crianças matriculadas, e divididas nas turmas de natação infantil e em jogos e brincadeiras tradicionais. As aulas de natação envolveram, em sua maioria, alunos iniciantes, que foram incluídos nas denominadas turmas de iniciação à natação. Na turma de natação, foram ministrados conteúdos básicos do nadar, tais como a flutuação, o equilíbrio, o palmateio, a inversão, a respiração, a apneia e a propulsão (braçadas e pernadas). Sendo assim, observamos no projeto LABBRINC, que no retorno de algumas crianças às práticas corporais em natação e em jogos e brincadeiras tradicionais, após o auge da pandemia de Covid-19,  muitas  delas apresentaram inicialmente uma grande dificuldade em realizar certas atividades motoras na água e também percebeu-se  que muitas não conseguiam se concentrar na execução de certas atividades, algumas vezes não compreendendo conceitos ou regras ensinadas pelos professores-monitores. Certas dificuldades sempre existiram, mesmo antes da pandemia, porém, notamos naquele momento, uma maior frequência no surgimento destas dificuldades nas crianças, do que anteriormente. Tais limitações foram observadas principalmente nos primeiros meses do retorno presencial das práticas corporais. As principais dificuldades estavam relacionadas à falta de concentração, dificuldades na realização de movimentos básicos, falta de coordenação motora, dificuldades de comunicação, vícios posturais e falta de atenção.

Mas, com a criação de estratégias pedagógicas, alicerçadas na construção de um ambiente lúdico e favorável à criação da Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), com práticas corporais coletivas e cooperativas, que serviram como facilitadores das relações entre as crianças e seus pares, e também entre as crianças e os professores-monitores, com essas intervenções pedagógicas no âmbito das aulas,  foi possível promover vivências coletivas/cooperativas (grupos de crianças) e dentro de um contexto lúdico, que permitiram a superação das limitações e atrasos das capacidades motoras, cognitivas e afetivossociais advindas do período de restrições de mobilidade e isolamento social da pandemia, ao ponto de, atualmente, tais dificuldades e atrasos motores não serem mais notados entre as crianças participantes do projeto. 

Notamos ainda, que as atividades presenciais e coletivas, somadas ao ambiente lúdico de aprendizagem, criaram condições e os instrumentos capazes de produzir o desenvolvimento pleno dos alunos, ao ponto de superarem os entraves psicológicos e as dificuldades motoras adquiridas durante o grande período de isolamento social, no qual as crianças foram submetidas durante o período auge da pandemia. Acreditamos que as aulas foram capazes de criar um ambiente favorável para uma aprendizagem das práticas em cultura corporal, pois, dentro do contexto criado pela Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), as crianças interagiram umas com as outras, auxiliadas pelos professoresmonitores e através de um contexto lúdico, possibilitou a criação de um ensino, que verdadeiramente guiou o desenvolvimento infantil, no que tange os fundamentos das práticas corporais infantis.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ano de 2022, marca o retorno das atividades presenciais em práticas corporais (jogos tradicionais e natação infantil) no Projeto de Extensão LABBRINC, na Universidade Estadual de Goiás. Após o período mais crítico da pandemia, no momento de retorno às aulas presenciais, foram observadas algumas dificuldades de aprendizagem na maioria dos alunos durante as práticas corporais aquáticas, relacionadas principalmente à falta de atenção, dificuldades de compreensão, retrocessos motores e principalmente uma baixa consciência corporal, relacionada sobretudo ao longo período de restrição de vivências motoras relevantes. Tais dificuldades, retrocessos e limitações motoras estavam correlacionadas ao grande período de isolamento e distanciamento social experimentado pelas crianças no período de pandemia do vírus Sars-Cov-2. Entretanto, através de intervenções construídas com abordagens pedagógicas sistematizadas na Teoria Histórico Cultural e um enfoque educacional, pautado em  processos de ensino e aprendizagem com conteúdos lúdicos, em práticas corporais de jogos tradicionais e em iniciação à natação infantil, todas os déficits motores, as barreiras afetivos sociais, as dificuldades cognitivas e a baixa  consciência corporal, que foram inicialmente observadas nos alunos, foram totalmente superadas e solucionadas.

O resgate dos elementos lúdicos através de atividades de jogos e de brincadeiras na natação infantil, foi de fundamental importância para o desenvolvimento pleno das crianças dentro do meio aquático. O brincar é essencial para o desenvolvimento e para a vida da criança. A sociabilidade e a aprendizagem realizada de forma coletiva, permitiu a criação da Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), onde os jogos e brincadeiras no meio aquático, se constituíram em elementos fundamentais para este criativo processo de ensino e aprendizagem na infância. As atividades presenciais e coletivas, somadas ao ambiente lúdico de aprendizagem, criaram condições e os instrumentos capazes de produzir o desenvolvimento pleno dos alunos, ao ponto de superarem os entraves psicológicos e as dificuldades motoras adquiridas durante o grande período de isolamento social, no qual as crianças foram submetidas. Acreditamos que as aulas foram também capazes de criar uma verdadeira Zona de Desenvolvimento Iminente, onde as crianças interagiram umas com as outras, auxiliadas pelos professores-monitores e em um contexto lúdico, possibilitou assim, a criação de um ensino que verdadeiramente guiou o desenvolvimento infantil no que tange os fundamentos das práticas corporais, através de conteúdos da natação infantil e de brincadeiras tradicionais.

 

REFERÊNCIAS

PRESTES, Z. R. Quando Não é a Mesma Coisa: análise de traduções de L.S. Vigotski no Brasil Repercussões no Campo Educacional. 2010. 296 f. Tese (Doutorado em Educação) -  Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2010.

Universidade Federal de Minas Gerais.  Filhos da Pandemia: medicina avalia impacto da crise sanitária sobre o desenvolvimento infantil. Universidade Federal de Minas Gerais, 2022. Disponível em: https://ufmg.br/comunicacao/noticias/filhos-da-pandemiamedicina-avalia-impacto-da-pandemia-sobre-o-desenvolvimento-infantil. Acesso em: 19/08/2023.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. Obras escogidas V: fundamentos da defectologia. 5. ed. Madri: Visor, 1997.

________________________. A Formação Social da Mente – o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

________________________Psicologia Pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003.

 

_________________________. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança. Tradução de Zóia Prestes. Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais, n. 8, p.23-36, jun. 2008.

 

ZANELLA, Andréia Vieira.; ANDRADA, Edia Grisard Caldeira. Processos de Significação no Brincar: Problematizando a constituição do sujeito. Psicologia em Estudo, Maringá, v.07, n.02, p.127-133, jul/dez. 2002.

 

 



[1] Relato de experiência sobre estratégias pedagógicas em práticas corporais infantis no pós-pandemia.

[2] Professor do curso de Educação Física pela Universidade Estadual de Goiás, Campus Metropolitano 

ESEFFEGO. Pesquisa sobre Infância e Vigotski. renato.coelho@ueg.br



FICHA CATALOGRÁFICA:

Formação Humana, Escola e Didática: lógica instrumental e lógica humanista em disputa. Anais...Goiânia(GO) PUC Goiás, 2023

Disponível em: www.even3.com.br/anais/xedipe

ISBN: 978-65-272-0102-1