ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE NATAÇÃO PARA
CRIANÇAS COM AUTISMO: VIGOTSKI E AS RELAÇÕES LÚDICAS[1]
Renato Coelho[1]
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Resumo
Este trabalho constitui-se em um relato de experiência sobre as vivências em atividades de natação infantil realizadas dentro do Projeto de Extensão Laboratório de Esporte, Jogos e Brincadeiras - LABBRINC, da Universidade Estadual de Goiás, no Campus Goiânia ESEFFEGO, durante os anos de 2022 e 2023. Através de intervenções pedagógicas sistematizadas e com conteúdos lúdicos, foram planejadas e executadas aulas em práticas corporais aquáticas, com turmas inclusivas, cujo público era formado por crianças entre 05 e 12 anos de idade, e composto também por crianças com autismo. Nesta ação extensionista, ainda em andamento, buscou-se superar e transcender o tradicional modelo médico, instrumental e tecnicista, no trato com alunos autistas, justificando a construção de uma abordagem educacional para uma plena intervenção pedagógica, no que tange ao ensino inclusivo de práticas corporais aquáticas com crianças autistas e pautado na Teoria Histórico Cultural de Vigotski. As atividades lúdicas em ambiente aquático, tiveram como objetivos, além de ensinar os fundamentos da natação infantil para as crianças, também promover a inclusão de alunos com autismo nas práticas corporais aquáticas e auxiliar na formação acadêmica de alunos de graduação dos cursos de Educação Física e de Fisioterapia da Universidade Estadual de Goiás. As aulas foram realizadas no Parque Aquático da Unidade ESEFFEGO UEG em Goiânia, com aulas semanais, tendo o público participante crianças de 05 a 12 anos. As aulas foram planejadas e ministradas por monitores e bolsistas dos cursos de Educação Física e de Fisioterapia da UEG e supervisionadas pelo coordenador do projeto de extensão. Verificamos que, as aulas de natação infantil, dentro de um contexto lúdico, com estratégias vinculadas a conteúdos de jogos e brincadeiras, e ainda com a criação de uma ambiente coletivo de interação e de cooperação entre as crianças, pautados na Teoria Histórico Cultural de Vigotski, criaram instrumentos importantes para o desenvolvimento da criança com e sem autismo.
Palavras-chave – Educação; Natação Infantil; Autismo; Vigotski.
INTRODUÇÃO
Durante o período de matrículas para as aulas presenciais do projeto de extensão LABBRINC, no primeiro semestre do ano de 2022, após as restrições sociais e as medidas sanitárias de controle da pandemia de Covid-19, vários alunos se matricularam nas aulas de jogos e brincadeiras tradicionais e também nas aulas de natação infantil. Entre os alunos matriculados, havia também vários alunos deficientes, entre eles alunos autistas. Os pais se prontificaram, já no período de matrícula, em relatar o diagnóstico das crianças com autismo e sempre procuraram manter um diálogo contínuo e aberto com os professores e coordenadores do projeto, o que sempre facilitava na organização de estratégias e no planejamento das ações.
O conceito de autismo é bastante complexo, pois deve ser levado em conta que as características identificadas nem sempre estão presentes em todos os indivíduos. (OLIVEIRA, 2011,p.16)
No entanto, e numa definição geral, pode-se dizer que esta é uma perturbação do desenvolvimento essencialmente caracterizada por grandes dificuldades na comunicação e na função social. [...] O autismo é uma perturbação do desenvolvimento que afeta múltiplos aspectos da forma como a criança vê o mundo e aprende a partir das suas próprias experiências. (SIEGEL, 2008, p. 21).
A palavra autismo possui origem grega “autos”, cujo significado é “em si mesmo”, e que designa uma condição ou estado de uma pessoa que possui atitude de permanente concentração em si próprio. (OLIVEIRA, 2011, p. 17)
As crianças com autismo, de um modo geral, apresentam um comportamento diferenciado com relação ao brincar, principalmente em brincadeiras de faz de conta, devido não somente às dificuldades de interação social ou aos seus interesses restritos, mas também a certas especificidades relacionadas aos processos ligados à imaginação.
Muitas dessas crianças têm uma relação pouco comum com os brinquedos: algumas parecem não se interessar por eles enquanto outras brincam de maneira não convencional (como cheirar ou passar muito tempo manipulandoos). Frequentemente há uma preferência por algum brinquedo em especial e, diante de outros materiais lúdicos, o interesse é passageiro ou inexistente. (CHICON et al., 2018, p.582)
Sabemos que, apesar de todas as limitações em relação ao processos imaginativos da criança autista, o brincar é capaz de promover o desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores, inclusive da própria imaginação, fazendo com que a criança autista desenvolva capacidades importantes através da ação lúdica, como autocontrole, concentração, criatividade, memória, linguagem e a apropriação de vários códigos sociais e regras de comportamento, que estão explícitos ou implícitos na ação do brincar.
Nossas análises indicam que a criança com autismo também pode se envolver com brincadeiras de faz de conta, desde que lhe sejam ofertadas condições para isso: quanto mais estimuladas em sua experiência lúdica, na exploração dos mais variados brinquedos, na manifestação das diferentes linguagens, na convivência com a diversidade, na exploração de diferentes espaços e modos de interação, mais significativas serão as possibilidades de essa criança sentir, pensar, agir no/com o meio social onde se encontra e brincar. (CHICON et al., 2018, p.590)
Assim sendo, através da construção de estratégias pedagógicas e intervenções educacionais eficazes, pode-se criar um verdadeiro desenvolvimento dos alunos autistas dentro de um ambiente lúdico nas aulas, desde que as atividades pedagógicas sejam planejadas e com conteúdos significativos para as crianças. E, dentro das atividades do projeto extensionista LABBRINC, os alunos com autismo participam das aulas juntamente com todas as outras crianças sem autismo, de forma a tornar o ambiente lúdico, também inclusivo, permitindo assim interações variadas e colaborações importantes entre todas as crianças, e também entre estas crianças e os professores.
Portanto, no processo de ensino e aprendizagem, não basta o professor organizar os espaços disponibilizando materiais e objetos e observar as crianças; é necessário definir estratégias de abordagem corporal e de intervenções pedagógicas, para que elas possam criar e recriar as brincadeiras, estabelecer novas interações, combinar movimentos e objetos, descobrir novas formas de ação, alimentando, dessa maneira, a experiência corporal (socioafetiva, cognitiva e psicomotora). A brincadeira torna-se, então, uma possibilidade de desenvolvimento da criança com autismo a partir do investimento dos adultos em seu envolvimento nessa prática social específica da infância. (CHICON et al., 2018, p.590).
O espaço das atividades das práticas corporais, no projeto extensionista LABBRINC, foi planejado e construído repleto de elementos lúdicos como bolas coloridas, bambolês, brinquedos, boias infláveis em formato de golfinhos, bolas de gude e espaguetes coloridos. A piscina para as aulas de iniciação à natação, possui baixa profundidade (0,70 metros), com 25 metros de extensão por 12 metros de largura, com escadas e rampas que facilitam o acesso, sendo a temperatura da água variando em torno de 30º C. Há também o acompanhamento e a supervisão contínua dos professores e monitores, através de ações dialógicas, democráticas e participativas, com a execução do planejamento sistematizado das aulas. No planejamento das atividades, os conteúdos estão sempre relacionados aos elementos lúdicos em meio aquático, de forma a inserir os fundamentos da natação como flutuação, respiração, propulsão, inversão e palmateio, dentro do contexto de jogos e de brincadeiras aquáticas. O referencial teórico, que embasou a construção de todos os planos de aula, é a Teoria Histórico Cultural de Vigotski, que conceitua a criança como ser biopsicossocial, sujeito de direitos e produtor de cultura. Além disso, Vigotski enfatiza e valoriza a ação do brincar como instrumento importante para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores das crianças e ainda nos fornece o conceito de Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), como importante componente e instrumento para as atividades pedagógicas com crianças com/sem deficiência. A
sistematização e o planejamento das aulas de práticas corporais em natação foram construídas com base na teoria histórico cultural de Vigotski, que concebe a criança com ser biopsicossocial, valorizando as ações e atividades colaborativas e socioafetivas entre as crianças e seus pares e também entre as crianças e os seus professores. Vigotski sempre defendeu a tese, onde somente é possível compreender o comportamento humano em sua totalidade, quando se considera o desenvolvimento dentro do complexo contexto de seu ambiente social, ou seja, o homem inserido em um contexto biossocial.
É disso que surge a brincadeira, que deve ser sempre entendida como uma realização imaginária e ilusória de desejos irrealizáveis, diante da pergunta "por que a criança brinca?". A imaginação é o novo que está ausente na consciência da criança na primeira infância, absolutamente ausente nos animais, e representa uma forma especificamente humana de atividade da consciência; e, como todas as funções da consciência, forma-se originalmente na ação. (VIGOTSKI,2008, p.25)
Segundo Vigotski, a criança na chamada primeira infância, age sempre em função do que vê, ou seja, suas ações ficam presas ao campo ótico (visual). Porém, já na idade préescolar, ocorre uma reviravolta, pois a criança ao brincar consegue separar o campo ótico do campo semântico, separando de fato o objeto da ideia. O autor cita o exemplo da vassoura, que no brincar, transforma-se em um cavalo para a criança, promovendo a ruptura entre objeto e significado. Tal fato, decorre do desenvolvimento das funções simbólicas da criança, onde o brincar se torna elemento fundamental e relevante neste processo.
É disso que surge a brincadeira, que deve ser sempre entendida como uma realização imaginária e ilusória de desejos irrealizáveis, diante da pergunta "por que a criança brinca?". A imaginação é o novo que está ausente na consciência da criança na primeira infância, absolutamente ausente nos animais, e representa uma forma especificamente humana de atividade da consciência; e, como todas as funções da consciência, forma-se originalmente na ação. (VIGOTSKI, 2008, p.25)
Por que a criança brinca? Essa é a pergunta central que Vigotski faz ao leitor, explicando que a brincadeira infantil surge a partir dos desejos irrealizáveis dentro do mundo adulto, e que são satisfeitos através de uma ação imaginária e ilusória, a brincadeira. ”Para resolver esta tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, esse mundo é o que chamamos de brinquedo.” (VIGOTSKI, 2003, p. 122)
Quando a criança pré-escolar deseja andar de cavalo, mas sabe a impossibilidade de realizar este seu desejo, então, ela começa a brincar com a vassoura, por exemplo, e este objeto, de forma imaginária, se torna um cavalo. Para Vigotski, a criança na fase da primeira infância, não consegue diferenciar o campo visual do campo semântico. Já a partir dos três anos, na chamada idade pré-escolar, a criança passa então a distinguir o campo visual e o semântico, ou seja, diferencia aquilo que vê (objeto) de seu significado (sentido). “Torna-se possível em razão da divergência, que surge na idade pré-escolar, entre o campo visual e o semântico” (VIGOTSKI, 2003, p. 128).
Vigotski ressalta ainda que durante a chamada primeira infância, a força impulsionadora para a criança está nos objetos, e estes acabam determinando o seu próprio comportamento. Já na idade pré-escolar, isso de fato não acontece mais, pois os objetos em si acabam perdendo o seu poder impulsionador de outrora, já que a criança começa a agir de forma diferente em relação a tudo o que vê.
Devido ao fato de, por exemplo, um pedaço de madeira começar a ter o papel de boneca, um cabo de vassoura tornar-se um cavalo, a idéia separa se do objeto; a ação, em conformidade com as regras, começa a determinar-se pelas idéias e não pelo próprio objeto. (VIGOTSKI, 2008, p. 30)
As intenções e ações lúdicas no jogo possibilitam a criação da Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), promovendo a internalização do real e o desenvolvimento cognitivo. Dentro da contradição da criança entre a impossibilidade do desejo e a necessidade imediata do querer fazer, Vigotski então afirma: “Esta subordinação estrita às regras é quase impossível na vida; no entanto torna-se possível no brinquedo. Assim o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança” (VYGOTSKY, 2003, p.134).
Logo, o brincar da criança passa a ser uma transformação criadora, ela também tem a possibilidade de criar, mesmo sob diferentes escalas, mas cria a partir do que conhece e das oportunidades oferecidas, dentro de suas próprias necessidades e preferências. Dentro do jogo, resgata-se na criança sua posição de sujeito histórico e social, pois ela cria, produz cultura, e ela pode participar ativamente do processo lúdico.
Tais processos criativos construídos dentro de um contexto lúdico na infância, se dão dentro da denominada Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI). O jogo ou brincadeira, numa esfera lúdica, ajuda a construir a subjetividade da criança, e neste ambiente imaginativo, criativo e simbólico, permite-se alterações qualitativas das estruturas mentais superiores, promovendo o desenvolvimento pleno da criança.
A Zona de Desenvolvimento Iminente é a distância entre o nível de desenvolvimento atual da criança, que é definido com a ajuda de questões que a criança resolve sozinha, e o nível de desenvolvimento possível da criança, que é definido com a ajuda de problemas que a criança resolve sob orientação dos adultos e em colaboração com companheiros mais inteligentes. (VIGOTSKI apud PRESTES 2010, p. 173)
Segundo Vigotski, uma boa aula é aquela onde o ensino guia o desenvolvimento da criança, ou seja, ocorre quando a aprendizagem infantil antecede o desenvolvimento, e isso é possível em aulas planejadas e sistematizadas que favoreçam a criação da Zona de Desenvolvimento Iminente. Dentro destes princípios criados por Vigotski, podemos analisar e discutir a inclusão das crianças com autismo nas atividades de práticas corporais e dentro de um contexto lúdico, que favoreçam a criação da Zona de Desenvolvimento Proximal, onde se incentive as relações colaborativas entre as crianças e seus pares e
tendo os professores como mediadores das ações.
Deriva deste conceito acima, a lei geral de Vigotski, também conhecida como lei básica do desenvolvimento humano, que se aplica tanto a crianças sem deficiência, quanto a crianças com deficiência. A lei geral de Vigotski, afirma que:
Qualquer função psicológica superior no processo de desenvolvimento infantil se manifesta duas vezes, primeiramente como função da conduta coletiva, como a organização da colaboração da criança com as pessoas que a rodeiam; depois, como uma função individual da conduta, como uma capacidade interior da atividade do processo psicológico. (VIGOTSKI 1997, p.109)
Sendo assim, segundo a lei básica do desenvolvimento humano criada por Vigotski, podemos verificar que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores da criança (a memória, o pensamento, o raciocínio, a imaginação e a linguagem) se dão primeiramente dentro de um contexto de interação social coletiva, através do convívio com o outro, que pode ser, por exemplo, com os colegas ou com os professores, sendo capazes de gerar relações de colaboração e de intercâmbio social. Em seguida, a criança, após se apropriar destes novos conceitos, saberes e conteúdos, que lhe foram socializados dentro destas interações sociais, estes novos atributos se transformam em uma capacidade interior, ou seja, passam a ser capacidades individuais, onde a função de conduta coletiva se transformou em uma função de conduta individual.
Portanto, todos os princípios de Vigotski citados ao longo deste trabalho, o conceito de Zona de Desenvolvimento Iminente, o desenvolvimento das características socioafetivas, motoras e cognitivas através do brincar, foram todos analisados e incluídos, a fim de facilitarem as construções de estratégias de ensino para as crianças com autismo matriculadas no projeto. Todos estes conceitos importantes, nos auxiliaram na construção de instrumentos pedagógicos e de estratégias para o planejamento das aulas em vivências de práticas corporais aquáticas para as crianças autistas matriculadas no projeto de extensão LABBRINC da Universidade Estadual de Goiás. O objetivo principal foi em formular estratégias pedagógicas e instrumentos educacionais de inclusão de alunos autistas nas aulas de natação infantil, pautadas na Teoria Histórico Cultural de Vigotski, e que também pudesse fornecer elementos didáticos favoráveis, para a aprendizagem de conceitos e fundamentos da natação para além do ensino técnico e instrumental, muito comum no ensino tradicional da natação infantil.
METODOLOGIA/PERCURSO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO
Através da execução de ações extensionistas dentro das chamadas práticas corporais aquáticas, o projeto LABBRINC, vinculado à Universidade Estadual de Goiás, oferece atividades de extensão à comunidade goianiense de forma pública e gratuita, tendo como público-alvo crianças de 05 a 12 anos de idade. Este trabalho, traz experiências de ensino e de aprendizagem em atividades relacionadas à cultura corporal aquática, em natação infantil e iniciação à natação, inseridas dentro de um contexto repleto de atividades lúdicas e planejadas. Tais atividades foram realizadas dentro da Universidade Estadual de Goiás, Unidade ESEFFEGO, no Centro de Excelência dos Esportes. As matrículas do projeto LABBRINC, sempre são realizadas, de forma a incluir crianças com e sem deficiência, destacando que se trata de uma ação extensionista de caráter inclusivo, e por isso, várias crianças autistas também participaram e participam das aulas executadas neste projeto, durante os anos de 2022 e 2023.
O elemento lúdico constitui-se num dos eixos mais importantes deste projeto de natação infantil, pois abarca a fase da infância, onde as atividades lúdicas do brincar constituemse na atividade principal, promovendo as mais diversas e diferentes formas de desenvolvimento da criança. A atividade mais importante na infância é o brincar, onde as atividades lúdicas ocupam papel fundamental para o desenvolvimento pleno das crianças (cognitivo, emocional, afetivossocial e motor). A Teoria Histórico Cultural, pautada em Vigotski, se tornou a base teórica para o planejamento e execução das aulas no projeto LABBRINC. Para Vigotski, aprendizagem não equivale a desenvolvimento, mas toda aprendizagem construída de forma organizada torna-se em desenvolvimento mental e alavanca uma série de processos evolutivos que jamais se efetuariam separados da aprendizagem. Sendo assim, a aprendizagem é necessária ao processo de desenvolvimento cultural organizado, e toda boa aprendizagem é aquela que precede o desenvolvimento. (BAQUERO, 1998, p.98). E estes foi um dos princípios basilares na construção e na condução de todas as aulas do projeto de extensão, e que permitiram a elaboração de instrumentos pedagógicos importantes, que garantiram as interações colaborativas entre as crianças com e sem deficiência, e a plena participação nas aulas, com o destaque para a inclusão das crianças autistas.
No transcorrer das aulas no projeto de extensão, sempre houve a preocupação pela busca de instrumentos pedagógicos capazes de promover, no ambiente de aula, as interações e as colaborações entre as crianças com os seus pares, e também o intercâmbio pleno entre as crianças e os professores/monitores. Sempre partimos da premissa de que o bom ensino deve operar sobre as conquistas de desenvolvimento ainda em aquisição e adquiridas com auxílio do outro, ou seja, planejamento de aulas, dentro de uma ambiente de interações lúdicas, colaborativas e dialógicas, capazes de promover a criação da chamada Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI):
A criança tornar-se-á capaz de realizar de forma independente, amanhã, aquilo que, hoje, ela sabe fazer com a colaboração e a orientação. Isso significa que, quando verificamos as possibilidades da criança ao longo de um trabalho em colaboração, determinamos com isso também o campo das funções intelectuais em amadurecimento; as funções que estão em estágio iminente de desenvolvimento devem dar frutos e, consequentemente transferirem-se para o nível de desenvolvimento mental real da criança. (VIGOTSKI apud PRESTES 2010, p.174)
Sendo assim, o planejamento e a execução das aulas de atividades lúdicas no meio aquático, consideraram sempre o brincar como elemento importante na construção dos processos de aprendizagem infantil. Os conteúdos da natação foram ensinados de forma dialógica e dentro de atividades lúdicas, alegres e prazerosas. Fundamentos da natação infantil, tais como flutuação, apnéia, respiração, propulsão, braçadas, pernadas, inversão, palmateios, equilíbrio e mergulho, foram ensinados e apropriados pelas crianças de forma alegre, criativa e envolta por elementos lúdicos do brincar. Analisamos que houve grande interação das crianças autistas com os demais colegas, principalmente quando eram incluídos brinquedos e brincadeiras nas atividades aquáticas. O ambiente lúdico foi capaz de multiplicar as interações das crianças autistas, potencializando os intercâmbios coletivos entre os pares criança-criança e criança-professor. A maioria dos movimentos e fundamentos da natação, tais como a respiração invertida, flutuação e deslizes sobre a superfície da água, foram apropriados e desenvolvidos também pelas crianças autistas, que sempre eram assessoradas e auxiliadas pelos professores-monitores, que continuamente as acompanhavam dentro do meio aquático. As crianças autistas também participaram ativamente de brincadeiras aquáticas dentro da piscina, juntamente com as demais crianças e os professores-monitores. As principais brincadeiras coletivas, em que mais se destacaram a participação plena das crianças autistas foram: “Elefante Colorido”, onde se utilizavam bolas coloridas; “Tubarão e Golfinho”, uma espécie de pique-pega na água e com a utilização de boias em formato de tubarão e golfinho; “Morto Vivo”, onde as crianças precisam submergir na água e soltar borbulhas pelo nariz. Estes elementos lúdicos foram capazes de criar instrumentos colaborativos entre as crianças com autismo e as crianças sem autismo, este intercâmbio de vivências estre as crianças, e sempre mediado pelo professor-monitor, potencializou as interações, construindo um ambiente de aprendizagem e de desenvolvimento da capacidades motoras, cognitivas e socioafetivas das crianças.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Através da inclusão de conteúdos lúdicos na aprendizagem do ensino da natação, pautados na Teoria Histórico Cultural de Vigotski, foi possível ensinar às crianças, os fundamentos da adaptação ao meio líquido (flutuação, respiração, palmateio, apnéia, equilíbrio e inversão), e dentro de uma proposta que buscou superar o ensino apenas das técnicas e transcender o enfoque médico, foi possível a realização da inclusão de crianças com autismo dentro das aulas de natação infantil. A inclusão de conteúdos lúdicos, com jogos e brincadeiras no meio aquático, permitiram uma maior interação social das crianças na piscina, criando sentidos e significados aos conceitos e conteúdos ensinados. Descobrimos ainda ser possível, dentro deste ambiente lúdico, a criação da chamada Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), onde as crianças aprendem umas com as outras, também com o professor, e depois destas trocas e intercâmbios sociais no brincar, se apropriaram dos conceitos e fundamentos da natação, passando a ter mais autonomia no meio líquido, se deslocando na água de forma prazerosa e independente. A criação plena de uma ZDI no contexto das aulas de natação infantil, permitiu um verdadeiro intercâmbio de saberes, conhecimentos e relações socioafetivas entre as crianças com e sem autismo. Este ambiente lúdico e de cooperação, pautado em instrumentos pedagógicos sistematizados dentro da Teoria Histórico Cultural de Vigotski, permitiu a criação de instrumentos educativos eficazes para a plena inclusão de alunos com autismo nas aulas de natação infantil no projeto de extensão LABBRINC da Universidade Estadual de Goiás.
Sendo assim, foram observadas que as atividades lúdicas na infância passam a subsidiar instrumentos pedagógicos capazes de gerar uma transformação criadora na infância, onde a criança também tem a possibilidade e a oportunidade de criar, aprender e desenvolver movimentos e habilidades aquáticas. Dentro do brincar em atividades aquáticas, resgatouse na criança com autismo, a sua posição de sujeito histórico e social, pois ela pôde participar das aulas, interagir com outras crianças e ainda aprender de forma plena, dentro de um processo lúdico, em um contexto de cooperação social com outras crianças, os fundamentos da natação.
Portanto, a sistematização de aulas de natação infantil, dentro de um contexto lúdico, com conteúdos de jogos e brincadeiras, e ainda com a criação de uma ambiente coletivo de interação e de cooperação entre as crianças, pautados na Teoria Histórico Cultural de Vigotski, permitiu a criação de instrumentos e de estratégias importantes para a inclusão e o desenvolvimento da criança com autismo, através de processos criativos, colaborativos, dialógicos e democráticos que tratam a criança como sujeito de direitos e produtora de cultura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este projeto, ainda em andamento, demonstra que o bom ensino das práticas corporais aquáticas, é aquele onde a aprendizagem guia o desenvolvimento, e é capaz de criar instrumentos pedagógicos eficazes, capazes de tornar possível a inclusão de crianças autistas dentro das aulas de natação. Observou-se neste projeto que é fundamental a sistematização de aulas que sejam capazes não somente de desenvolver as capacidades motoras, cognitivas e socioafetivas nas crianças, mas que também sejam capazes de criar estratégias eficazes de inclusão de alunos com deficiência nas aulas de natação infantil. Vimos que os conceitos e os princípios da Teoria Histórico Cultural de Vigotski, ajudaram a construir e planejar as aulas de natação infantil, através de formulação de procedimentos pedagógicos para a criação de um ambiente favorável à aprendizagem e ao pleno desenvolvimento das crianças. Sendo assim, aprendemos que é fundamental para o professor um planejamento sistematizado de aulas, que considere instrumentos pedagógicos importantes, como a criação da chamada Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), a fim de que as crianças possam, de forma inclusiva, coletiva e
colaborativa, aprender umas com as outras, dentro de um contexto lúdico e mediadas pelos professores, para o pleno desenvolvimento de suas habilidades motoras, cognitivas e socioafetivas dentro das aulas de natação infantil.
REFERÊNCIAS
BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a Aprendizagem Escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
CHICON, José Francisco et al. A Brincadeira de Faz de Conta com Crianças Autistas. Movimento, Porto Alegre, v. 24, n. 2, p. 581-592, abr./jun. de 2018.
OLIVEIRA, Elisabete Ferreira de. A criança e o mundo do autismo. Porto : [ed.autor]. 64f. Projeto de investigação no âmbito da Pós-Graduação em Educação Especial da Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, 2011. Disponível em: http://repositorio.esepf.pt/handle/20.500.11796/802. Acesso em: 23 set. 2023.
PRESTES, Zoia Ribeiro. Quando Não é a Mesma Coisa: análise de traduções de L.S. Vigotski no Brasil Repercussões no Campo Educacional. 2010. 296 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2010.
SIEGEL, Bryna. O Mundo da Criança com Autismo: compreender e tratar perturbações do espectro do autismo. Porto. Porto Editora. 2008.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. Obras escogidas V: fundamentos da defectologia. 5. ed. Madri: Visor, 1997.
_______________________. A Formação Social da Mente – o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
_______________________. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança. Tradução de Zóia Prestes. Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais, n. 8, p.23-36, jun. 2008.